terça-feira, 9 de outubro de 2012

Pausa para um Cafezinho...


As pessoas moviam-se, lusco fusco, almas brilhantes a circular sob a chuva. Os pássaros, pequenos amontoados de penas molhadas, encolhiam-se em ninhos de todos os tipos nas copas das árvores, pequenos deuses a observar a movimentação dos mortais abaixo. Gatos, olhos brilhantes e questionadores, enfiados em bueiros e embaixo de bancos, evitavam a água incômoda que caía. Um labrador amarelo latia ao longe, feliz, sorridente, tentando apanhar as gotas de chuva enquanto seu dono erguia o guarda-chuva e gritava seu nome. A chuva apertou, muitas gotas risos, gotas lágrimas, gotas do que se quer que seja. Para ela, eram gotas lágrimas. Gotas tristeza. Gotas saudades de um tempo que já não voltava. E ninguém sabia ou se importava. Ninguém parava e olhava pra cima, ou pra baixo?, imaginando que alguém os observava naquele momento, com lágrimas de chuva ácida, lágrimas bronze em um céu de prata. Lágrimas vapor, água no inferno.
Afastou-se dos monitores de observação da Terra, voltando os olhos para Dobby, que trabalhava ao lado. Pensou naquele serzinho alienado e chato, brigas constantes com Muriel; tolos seres do inferno. Tola ela, que aceitara tal cargo. Tolo o mundo, que precisava de pessoas em cargos como o seu.
-Miss D, eu estive pensando em todo o MEU trabalho nesses últimos tempos e, quer saber?? Se a Muriel não deixar de ser incompetente, vou passar por cima dela. Não quero nem saber! Já tenho meus planos de promoção, não vou deixar uma sem estudos como aquela garota me atrapalhar!!
- Dobby, vai com calma. Eu não estou de bom humor hoje... Pra colocar fogo em um ou dois é um palito e meio. Então não força, gata... Gata! Até parece! Quem forçou agora fui eu! - Miss D riu-se, os olhos vermelhos faiscando risadinhas. Dobby olhou-a com raiva, os lábios apertados e a carinha feia enrugada. Voltou-se a suas anotações, balbuciando coisas inaudíveis.
Miss D deu de ombros e se preparava para acionar botões de tragédias pessoais quando um gavião gigantesco entrou voando pela janela, uma caixa plástica de transportar animais segura em seus grandes pés.
- Pelos deuses, Cadu! Você me assustou!!
- Desculpa, senhora Divina! Certamente não foi a intenção! - respondeu o animal, voz grossa de radialista. Abaixou a cabeça em uma espécie de reverência e retirou uma prancheta de algum lugar debaixo de sua asa esquerda, estendendo-a com o bico para que Miss D assinasse.
- O que temos aí, Cadu?? Quem mandou??
- Presentinho especial do senhor Hades. Mandou esse bilhetinho também! Adiantou-me que não conseguia vê-la tão triste... O pobre homem tem um coração enorme, você vê. Pena que seja tão pão-duro... Enfim... Agora, se me dá licença, tenho um dia de entregas pela frente!
- Senhor Hades, é? Huum, curioso! - Miss D olhava para o papel muito negro em suas mãos, sem saber o que esperar. Cadu bateu asas de repente, derrubando a pequena Dobby de sua cadeira, que soltou um guincho estridente. Miss D continuava hipnotizada pelo papel. Terminou de ler e deixou que caísse no chão, abaixando-se junto a gaiola de transporte animal.
- Não acredito!! Não pode ser! Cafezinho, é você mesmo?? Por deuses, é você! Meu anjinho, meu príncipe, que saudades de você! - disse, em meio a muitas lágrimas, abrindo a caixa e retirando de dentro um gato todo preto, de olhinhos verdes e ronronar forte. Ele parecia incrivelmente feliz em vê-la, fechando os olhos e sorrindo aos carinhos. Os dois ficaram assim, abraçados em um reencontro de almas, reencontro de amores, fusão feliz dos há muito apartados. Miss D chorava lágrimas doce, lágrima chuva, lágrimas açúcar, choro ouro em em rio de prata. Sorria e abraçava aquele que havia por tanto tempo guardado a melhor parte de sua alma. Sorria e abraçava aquele seu amigo, velho amigo, que um dia se fora e deixara um vazio em sua vida. Sorria e abraçava aquele que faria com ela a melhor dupla de Tragédicos de toda a Infernópolis. Sorria e abraçava aquele que viera para fazê-la mais feliz em outra época, muito distante, e que agora retornava, gato fiel, amigo eterno, anjo da guarda.

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